3.ENSINO

O meu povo está sendo destruído, pois lhe falta o conhecimento. Pelo fato de vocês, sacerdotes, rejeitarem o conhecimento, também eu os rejeitarei, para que não sejam mais sacerdotes diante de mim; visto que se esqueceram da lei do seu Deus, também eu me esquecerei dos seus filhos (Oséias 4:6 – NAA).

        O profeta Oséias traz uma forte repreensão nesse versículo: o povo de Deus estava sendo destruído pela falta de conhecimento. Não qualquer conhecimento, mas o conhecimento da Lei de Deus, da Sua vontade.

        Os sacerdotes tinham a função de referência espiritual para o povo de Israel, e assim como o pai deve ensinar o menino no caminho que deve andar (Provérbios 22:6),  os sacerdotes deveriam ensinar a Lei de Deus para o povo e zelar para que todos a observassem.

         Hoje não temos mais sacerdotes como no Antigo Testamento, porém, quando aceitamos a Jesus somos chamados a ser sacerdócio real (1 Pedro 2:9), a ter Jesus como  Sumo Sacerdote (Hebreus 8:1-6), de quem aprendemos todas as coisas pelo Espírito Santo (João 14:26) e, portanto, temos a responsabilidade de ensinar a Sua verdade para aqueles que estão à nossa volta.

          Tal responsabilidade é de todo o cristão, não apenas dos artistas. Certamente existem pessoas chamadas para o ministério do ensino, conforme Romanos 12:7, Efésios 4:11 e 1 Coríntios 12:28. Estes são membros do corpo de Cristo que receberam uma capacitação sobrenatural para ensinar, para entender e compartilhar a Palavra e aplicá-la às nossas vidas.

Porém, existe um direcionamento que é feito a todos os que aceitam a Jesus:

Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês. E eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos (Mateus 28:19,20 – NAA).

          Essa direção dada aos apóstolos tem sido extrapolada para todos os cristãos mas, muitas vezes, aplica-se apenas a primeira parte sobre ir e fazer discípulos (o famoso evangelismo que será tratado no próximo post), e esquecemos da parte de ensinar estes discípulos a guardar o que Jesus ordenou.

          Foi exatamente neste ponto que os sacerdotes no tempo de Oséias erraram. Eles rejeitaram o conhecimento da Lei de Deus, do que havia sido revelado a eles e deixaram de ensinar a verdade ao povo. Eles deixaram de ser um bom exemplo. Nós não podemos deixar de ensinar o que nos foi revelado por meio da Lei, de Jesus e dos apóstolos, pois seria o mesmo que rejeitar a vontade de Deus.

O ENSINO NA ARTE

          Sendo responsabilidade de todos os cristãos, os artistas cristãos são igualmente chamados a ensinar a verdade de Deus através da arte. Não que ensinar a Palavra seja a única função da arte na igreja, mas o ensino acontece mesmo quando não o planejamos.

          A arte é uma linguagem e, portanto, sempre comunica. A arte mobiliza sentidos, conceitos e saberes. Ela desperta emoções, lembranças e pensamentos.

          O teólogo Francis Schaeffer (2010) defende que, ainda que o artista não saiba que está comunicando uma cosmovisão – uma visão de mundo – elas se manifestam. Isso ocorre porque toda obra humana, seja de arte ou não, é embasada por uma forma de ver, pensar e se relacionar com o mundo, com a criação e com o próximo. Portanto, mesmo que inconscientemente, a arte comunica, se comunica e possibilita o ensino.

          Por exemplo, toda vez que eu ouço uma música, a letra vai sendo gravada em minha mente e a mensagem daquela letra comunica algo para mim. Imagine se essa letra for um trecho da Escritura, se ela falar sobre princípios bíblicos como o amor a Deus ou ao próximo; toda as vezes que me lembrar da música, a sua mensagem vai ecoar em minha mente e a letra fará sentido. Tal efeito vai além de saber a letra da música, pois as verdades dessa letra começam a fazer parte das verdades que eu sei, que eu aprendi.

          Nas artes menos literais (e mais abstratas) isso também é verdade. Quando eu assisto a uma coreografia, a uma peça ou admiro um quadro, ele suscita emoções, mobiliza as minhas lembranças e meu conhecimento. Se há algo nela que me faz lembrar das verdades bíblicas, a emoção gerada pela arte auxilia meu cérebro a gravar aquelas informações. Isso ocorre porque as memórias emotivas são mais fortes do que quando eu simplesmente leio a Bíblia ou qualquer outra informação (pense nas memórias da sua infância, geralmente são momentos muito alegres ou muito traumáticos, ou seja, momentos com forte carga emocional).

          Essa “coisa” que me faz lembrar das verdades bíblicas pode ser a música dançada, podem ser as falas da peça, pode ser a temática do quadro, ou simplesmente, o Espírito Santo se movendo no artista que as realiza. Independente de ter uma mensagem literal (falas, letra ou algo escrito), toda arte mobiliza conhecimento, sentido e me ensina ou ajuda a lembrar de algo aprendido.

          Portanto, a arte pode contribuir com o aprendizado de novos conceitos, na mobilização de conhecimentos já adquiridos e na sua fixação. Seja porque ela une vários sentidos, seja porque acresce o fator emocional, seja porque ela tem valor para a pessoa que a assiste/experimenta, seja porque ela exige um pensar sobre o que se experimenta na obra.

          Mais ainda, a própria arte é um conhecimento a ser ensinado e aprendido. Ela carrega valor em si mesma como parte da criação de Deus, ela carrega um saber da experiência e da sua formulação social e histórica, e deve ser ensinada como parte do que é ser imagem e semelhança do Deus Criador (ROOKMAAKER, 2010).

         Temos novamente Bezalel como exemplo, pois recebeu dom não apenas para executar toda obra artística, mas também, para ensinar aos outros aquilo que sabia:

Também lhe dispôs o coração para ensinar os outros, tanto a ele como a Aoliabe, filho de Aisamaque, da tribo de Dã. Encheu-os de habilidade para fazer toda obra de mestre, até a mais engenhosa, e a do bordador em pano azul, em púrpura, em carmesim e em linho fino, e a do tecelão, sim, todo tipo de trabalho e a elaborar desenhos (Êxodo 35:34,35 – NAA).

A EXCELÊNCIA DA LINGUAGEM

          Diogo (2011), ao abordar o pilar do ensino, estabelece alguns princípios para ensinar usando as artes. Dentre eles, está o princípio da excelência.

          O primeiro motivo para a excelência é que Deus não merece qualquer coisa, ao contrário, Ele é o Rei dos reis, Ele é o padrão de bondade, de verdade e de qualidade. Portanto, devemos sempre entregar o nosso melhor a Ele. O segundo motivo é que a qualidade da nossa arte pode abrir portas e criar a possibilidade de usar a arte em locais nos quais uma pessoa não qualificada não entraria (DIOGO, 2011).

          Posso acrescentar aqui um terceiro motivo: se a arte é uma linguagem e tem como objetivo a expressão, comunicando as verdades de Deus através de quem a executa e da própria obra artística, é necessário conhecer as técnicas específicas dessa arte para que sua comunicação ocorra da melhor forma possível.

          Veja que Bezalel foi escolhido por Deus e foi capacitado em excelência (Êxodo 35:30-35), certamente, uma excelência na vida cristã e na habilidade técnica. E como bem nos lembra o teólogo Francis Schaeffer:

A arte tem duas características: ela é criativa, mas envolve também detalhes técnicos sobre como as coisas devem ser feitas […]. Os querubins da arca não caíram do céu. Alguém precisou sujar as mãos; alguém teve de resolver os problemas técnicos (SCHAEFFER, 2010, p.23).

          Se usarmos a metáfora da língua, a compreensão desta necessidade fica mais clara: imagine que você irá dar uma aula em um país que fala outra língua (pense em uma língua muito diferente da sua como árabe). Claro que terá ajuda de um intérprete, porém, no lugar para onde vai, ninguém sabe falar português. Seu intérprete sabe apenas inglês e espanhol, e você fala muito pouco de qualquer uma dessas línguas. Será que a aula dará certo?

          Talvez os ouvintes consigam entender alguma coisa da aula, mas certamente a comunicação será muito pouco eficiente entre você (o professor) que sabe pouco de inglês e espanhol, e o intérprete, que tem que traduzir o pouco que você soube falar nessas duas línguas que não domina para os alunos que falam árabe. A comunicação seria muito mais efetiva se você soubesse árabe, ou, pelo menos, fosse fluente no inglês.

          Isso ocorre com as artes. Quando eu domino as técnicas da minha arte, seja ela qual for, tenho muito mais possibilidades de expressar e produzir uma mensagem mais clara, mais inteligível, do que se eu tiver pouco vocabulário, poucos recursos técnicos. Não que eu precise fazer uma obra de arte totalmente inteligível, em que cada pessoa entenda tudo o que eu pensei em dizer e seja capaz de escrever os mínimos detalhes em papel. Se isso fosse possível, seria melhor escrever do que dançar. Mas quando possuímos conhecimento técnico na nossa arte, podemos nos expressar de forma a tocar no ponto mais profundo de quem aprecia o que estamos produzindo.

OS PERIGOS DO ENSINO

          O apóstolo Tiago nos faz uma advertência:

Meus irmãos, não sejam, muitos de vocês, mestres, sabendo que seremos julgados com mais rigor (Tiago 3:1 – NAA).

          Sua preocupação não parece estar sobre termos mestres demais na igreja e faltarem profetas, evangelistas ou pessoas em outras funções, mas sim que devemos ter muito cuidado com o nosso falar (e acresço aqui, falar usando qualquer língua ou linguagem, como a arte). Ao longo do capítulo 3, Tiago vai desenvolver a necessidade de cuidarmos da nossa língua, do que falamos, especialmente na relação com o nosso próximo. Precisamos ter mansidão no falar, pois quem é verdadeiramente cristão, deve liberar do seu interior coisas boas.

          No quesito do ensino, o cuidado no falar nos lembra da necessidade de conhecermos a verdade de verdade, de entendermos a vontade de Deus revelada a nós por meio das Escrituras e ensinar com fidelidade, sem alterar nem um pequeno detalhe:

Toda palavra de Deus é pura. Ele é escudo para os que nele confiam. Não acrescente nada às suas palavras, para que ele não o repreenda, e você seja achado mentiroso (Provérbios 30:5,6 – NAA).

          Por isso, todo aquele que ensina, todo aquele que faz arte, precisa saber muito bem sobre o que está falando. Todo artista cristão deve ser um profundo estudioso da Palavra, seja porque ela é nosso guia de vida, a lâmpada para os nossos pés (Salmos 119:105); seja para que a nossa arte comunique/ensine o que é verdadeiro, e não o que achamos que deve ser.

          Precisamos conhecer a verdade da qual falamos. Não simplesmente recitar os versículos bíblicos que embasam uma música, dança ou quadro, mas entender os seus princípios em profundidade, vivê-los e expor eles em cada detalhe da nossa arte.

          Um cristão que produz arte sem embasamento bíblico corre sério risco de cometer heresias. Esse não é o desejo de Deus para nós:

[…] pelo contrário, santifiquem a Cristo, como Senhor, no seu coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que pedir razão da esperança que vocês têm (1 Pedro 3:15 – NAA).

REFERÊNCIAS

DIOGO, Adriana P. Adoração Criativa – Manual para formação de grupos de dança e teatro. Goiânia: Vinha, 2011.

ROOKMAAKER, H. R. A arte não precisa de justificativa. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.

SCHAEFFER, Francis A. A Arte e a Bíblia. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.