2. RESTAURAÇÃO

INTRODUÇÃO

O artista é o principal elemento para se entender a arte produzida. A arte é sempre uma expressão do tempo, da sociedade, das influências e dos gostos daquele que produz a arte. É o artista em relação ao contexto social e histórico
que torna o que ele faz em arte.

Nesse sentido, a Pra. Adriana Pinheiro Diogo (2010) traz o pilar da restauração, pensando não na restauração da arte em si, mas daquele que a produz e que, portanto, direciona a sua essência. Nas suas palavras:

quando falamos de restauração, nos referimos à restauração do artista em relação ao seu caráter, motivações, alvos e aplicação. A arte reflete o coração do artista (DIOGO, 2010, p.53).

A DIFERENÇA ENTRE O CRISTÃO E O NÃO CRISTÃO

Em um sentido amplo, cristãos e não cristãos são muito parecidos: ambos foram criados a imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27), o sol e a chuva caem para ambos (Mateus 5:45), ambos têm a vida passageira, como a neblina
(Tiago 4:14) e ambos receberam uma responsabilidade para com este mundo criado (Gênesis 1:28-30).
Como Van Groningen (2002) especifica, todos os seres humanos receberam três mandatos no Éden (Gênesis 1:28-30; 2:1-3, 16-17), a saber

1. Mandato Social: relacionado a ser fecundo, multiplicar e constituir família, povoando a terra (1:28), que é também o início do relacionamento em sociedade (com o meu próximo);

2. Mandato Cultural: relacionado ao domínio dado por Deus a nós sobre todas as coisas criadas, o que implica não em exploração, mas em responsabilidade e cuidado, como vice-gerentes da Criação. Assim, é nossa responsabilidade desenvolvê-la e criar Cultura (1:28-30);

3. Mandato Espiritual: manifesto na obediência aos mandamentos de Deus, o que chamamos de Pacto das Obras (2:16-17), e no guardar do sétimo dia, apontando para a necessidade de um relacionamento íntimo com o Criador (2:1-3).

Ainda que tenhamos efetivamente desobedecido o mandato espiritual na Queda (Gênesis 3), os mandatos continuam de pé. Os seres humanos seguiram constituindo família, cultivando a terra, criando animais e buscando preencher o vazio de Deus em seu peito.

Rookmaaker (2018) aplica estes mandatos à responsabilidade de todos os seres humanos, em todas as coisas que são produzidas pela humanidade, inclusive, nas produções artísticas:

Há uma profunda diferença entre cristãos e não cristãos, mas não devemos buscá-las no lugar errado. A diferença reside em última instância na atitude básica, na esperança e na compreensão que uma pessoa tem de sua tarefa [mandato] (ROOKMAAKER, 2018, p.27).

Portanto, qualquer ser humano pode produzir arte (conforme já elaborei em outro texto: ALMEIDA, 2017). Qualquer técnica é válida se esta não fere os princípios bíblicos (SCHAEFFER, 2010). Contudo, há uma diferença: quem é cristão verdadeiro, cria uma arte dentro de uma estrutura diferente. Um cristão artista cria a partir dos princípios bíblicos.

Como Schaeffer (2010) defende, a visão de mundo que o artista expõe na sua obra, precisa ser a visão de mundo que Deus nos deu a partir das Escrituras e sua arte precisa ser julgada pelo critério da verdade da Palavra.

É O ARTISTA QUE IMPORTA

Nós somos filhos do Deus Criador. Ele é o Artista Supremo. Nós somos Sua imagem e semelhança. Portanto, “se o Deus ao qual refletimos a imagem é o Deus Criador, a capacidade criativa é parte inerente ao nosso ser” (ALMEIDA, 2017, p.176). Infelizmente, a arte foi deturpada do seu propósito original.

Como falamos ao abordar o pilar da adoração, a arte é uma forma de culto. Esta, criada para adorar a Deus, foi desvirtuada ao longo da história para exaltar ao homem e ao pecado. Como podemos mudar isso?

Não é a mensagem em si que importa. Essa seria uma análise bastante superficial para julgar se arte é ou não cristã. O que faz diferença é o conteúdo, é o que embasa a mensagem e a obra de arte em si. Por isso é o artista que está em voga: aquilo que ele vê, sente, enxerga e pensa é o que será transmitido em sua arte. Mais ainda, é a vida do artista que faz toda a diferença:

A arte cristã é a expressão da vida integral da pessoa toda que é cristã.
Aquilo que o artista retrata em sua arte é a totalidade da sua vida
(SCHAEFFER, 2010, p.74).

Isso implica no que flui através de nós quando produzimos arte. Mesmo quando estamos cantando uma música escrita por outra pessoa, e esta música está profundamente embasada nas Escrituras, se eu não estou, se não sou um cristão verdadeiro, o que flui de mim será diferente do que flui quando o compositor canta. O que o outro vê e sente da minha arte depende muito de quem a está executando, pois como cristãos, somos canal do agir de Deus.
Vejamos o exemplo de Davi:

Depois que o Espírito do Senhor se retirou de Saul, um espírito mau, vindo da parte do Senhor, o atormentava. Então os servos de Saul lhe disseram: — Eis que, agora, um espírito mau, enviado por Deus, está atormentando o senhor, ó rei. Por isso, mande que estes seus servos, que estão em sua presença, busquem um homem que saiba tocar harpa. Assim, quando o espírito mau, enviado por Deus, vier sobre o senhor, o homem dedilhará a harpa e o senhor se sentirá melhor. E Saul disse aos seus servos: — Então procurem um homem que saiba tocar bem harpa e tragam-no para cá. Um dos moços disse: — Conheço um filho de Jessé, o belemita, que sabe tocar harpa. Ele é forte e valente, homem de guerra, fala com sensatez e tem boa aparência; e o Senhor Deus está com ele (1 Samuel 16:14-18 – NAA).

Davi foi escolhido para estar na casa do rei Saul pela sua habilidade. Ele foi considerado valente, homem de guerra, sábio e belo (v.18). Todas essas são qualidades técnicas, materiais, relacionadas às responsabilidades de Davi para com a criação e os homens (ou seja, relacionadas aos mandatos social e cultural). A última qualidade ressaltada em Davi, era também a mais importante e definitiva: Deus estava com ele (v.18).
Assim, pela sua qualidade técnica, Davi teve as portas abertas do castelo do rei. Mas foi somente por ser um verdadeiro cristão, por Deus estar com ele, que a sua arte fez diferença na vida de Saul:

E sempre que o espírito mau, enviado por Deus, vinha sobre Saul, Davi pegava a harpa e a dedilhava. Então Saul sentia alívio e se achava melhor, e o espírito mau se retirava dele (1 Samuel 16:23 – NAA).

Precisamos ser como Davi. Excelentes perante os homens, mas também cristãos genuínos, que agem no mundo conforme os padrões de Deus. Assim, tudo o que fizermos, todas as coisas que produzirmos, toda a nossa arte, gerará vida.
Jesus disse:

Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada no alto de um monte. Nem se acende uma lamparina para colocá-la debaixo de um cesto, mas num lugar adequado onde ilumina bem todos os que estão na casa. Assim brilhe também a luz de vocês diante dos outros, para que vejam as boas obras que vocês fazem e glorifiquem o Pai de vocês, que está nos céus (Mateus 5:14-16 – NAA).

Quando uma arte é produzida sob os princípios cristãos e ela alcança outras pessoas, quando o quadro de um cristão é exibido em um museu, quando uma coreografia é apresentada em um teatro, quando uma peça é encenada na igreja, a luz que há dentro dos artistas cristãos brilha, e o resultado final é vida, é direção para os que estavão em trevas. O resultado dessa arte, seu fruto, é glorificar ao Pai que está nos céus. No final das contas, somos canal do agir de Deus em tudo o que fazemos, e onde estiver o nosso coração, em Deus ou no mundo, vai definir a quem a
nossa arte serve (Mateus 6:21-24).

O VERDADEIRO CRISTÃO

Jesus nos disse que podemos diferenciar os verdadeiros dos falsos profetas por meio dos seus frutos:

A árvore boa não pode produzir frutos maus, e a árvore má não pode produzir frutos bons. Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e jogada no fogo. Assim, pois, pelos seus frutos vocês os conhecerão
(Mateus 7:18-20 – NAA).

E quais frutos são esses? O fruto do Espírito conforme Gálatas 5:22-25, pois este representa nada mais, nada menos do que a obra do Espírito Santo em nós a nos aproximar da imagem de Cristo. O fruto do Espírito é o caráter de Cristo em nós, e isso se expressa em tudo o que fazemos. Isso é cultura!

Sobre esse tópico, Rookmaaker declara:

O que são esses frutos, se não o que em nosso tempo chamamos de cultura: o modo como vivemos nossa vida (ROOKMAAKER, 2018, p.48).

Cristãos devem ser melhores que os outros homens e mulheres, não para chamar a atenção para si mesmos, mas porque têm um Deus grande. Sua santificação deve ser evidente nos frutos do Espírito
(ROOKMAAKER, 2018, p.36).

De modo semelhante, Schaeffer encerra seu livro dizendo:

Nenhuma obra de arte é mais importante que a própria vida do cristão e todo cristão deve se preocupar em ser um artista nesse sentido. Ele pode não ter o dom da escrita, nem da composição ou do canto, mas toda pessoa tem o dom da criatividade no que diz respeito à forma como vive a sua vida. Nesse sentido, a vida do cristão deve ser uma obra de arte (SCHAEFFER, 2010, p.76)

         E assim nos direcionamos para o próximo pilar: Ensino.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, José Guilherme de A. De artista e de louco, todo mundo tem um pouco. In:

DIOGO, Adriana P. (Org.). A arte no contexto cristão. Goiânia: Centro Cultural Beneficente Rhema, 2017

DIOGO, Adriana P. Adoração Criativa – Manual para formação de grupos de dança e teatro. Goiânia: Vinha, 2011.

GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação – vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

ROOKMAAKER, H. R. O Dom Criativo. Brasília, DF: Monergismo, 2018.

SCHAEFFER, Francis A. A Arte e a Bíblia. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.