Prof.ª Thalita Almeida
Prof.ª Nayara Fernandes
COMEÇANDO DO COMEÇO
As marcas que diferenciam um cristão de um não cristão são os princípios: aquele conjunto de valores e virtudes que desenvolvemos assim que nos convertemos.
Estes princípios são as qualidades e características que moldam e transformam o nosso ser, nosso caráter e, consequentemente, nossas ações de forma a sermos imago Dei: imagem e semelhança de Deus. Característica essa que nos foi dada no nosso princípio, no Gênesis (Gênesis 1:26-27).
É através dessa imagem e semelhança que revelamos e manifestarmos a glória de Deus, contagiando aqueles que estão ao nosso redor com “aquela coisa diferente” que tantas pessoas vêem nos cristãos. Essa coisa diferente é, ou deveria ser, o reflexo do caráter de Deus em nós por meio da expressão dEle em qualidades, atributos, princípios e valores que resultarão em ações em nossas vidas.
Essa revelação concreta de Deus em nós se dá a medida em que transformamos nosso ser humildemente em algo que é maior, melhor e superior a nós mesmos, algo ou alguém que se sobressai e se destaca em meio a muitos, algo ou alguém de qualidade e excelência, de referência.
CONCEITOS
Para entendermos melhor essa expressão, essa revelação concreta da glória de Deus a partir da nossa semelhança com o Criador, vamos pensar dois conceitos: o de qualidade e excelência.
Qua.li.da.de: 1. atributo, condição natural, propriedade pela qual algo ou alguém se individualiza; maneira de ser, essência, natureza. 2. Traço positivo inerente que faz alguém ou algo se sobressair em relação aos demais; excelência, talento, virtude. 3. Conjunto de características que fazem parte da personalidade de um indivíduo e que o diferenciam de todos os outros; caráter, índole, temperamento. 4. Grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão. 5. Um tipo ou uma variedade particular; categoria, espécie, tipo. (DICIONÁRIO ONLINE MICHAELIS, 22 jul. 2020.)
Ex.ce.lên.cia: 1. qualidade de excelente. 2. Superioridade em qualidade. (DICIONÁRIO ONLINE MICHAELIS, 22 jul. 2020.)
Podemos então pensar que excelente é aquela pessoa que faz com qualidade todas as coisas, que pensa em dar o seu melhor em cada pequeno ato, alcançando assim a mais alta qualidade.
Qualidade e excelência caminham juntos e são atributos que transformam de dentro para fora, do micro para o macro, ou seja, começa em nós enquanto indivíduos e, por consequência, se expressa em nossas atitudes, ações e serviços, atingindo o coletivo, impactando quem está próximo.
CONCEITOS NA VIVÊNCIA BÍBLICA
Alguns personagens bíblicos eram conhecidos pela excelência do seu trabalho, do seu serviço: a excelência em suas práticas as levavam a serem chamadas e conhecidas antes dos demais, a obterem destaque. A partir disto, a convivência era estabelecida e a excelência era revelada no caráter, na índole da pessoa, em seu cotidiano.
Um cristão excelente revela nas pequenas coisas do dia a dia quem é, transparece o quanto do Reino de Deus há nele. Assim, quando apenas ouvimos falar sobre uma pessoa, podemos até imaginar sua bondade, sua inteligência, mas quando convivemos, temos a dimensão das suas qualidades.
- José (do Egito): homem próspero e temente a Deus (Gênesis 39:2-5), interpretava sonhos e passou por vários processos em sua vida, os quais aperfeiçoaram suas habilidades, adquirindo tamanha excelência que pode governar o Egito e salvar sua nação e as demais no entorno de uma seca que durou 7 anos (Gênesis 41:25-44);
- Bezaleel: habilidoso em elaborar desenhos e em trabalhos artesanais a ponto de construir os utensílios do tabernáculo e também de ensinar os outros (Êxodo 31:1-5; 35:30-35);
- Davi: conhecido por suas habilidades musicais, bélicas e administrativas (I Samuel 16:16-18; 18:5), sendo o rei mais importante da história de Israel, e obediente a Deus ao ponto de ser segundo o Seu coração (I Crônicas 14:13-17);
- Jesus: Jesus era carpinteiro como seu pai José, mas ensinava com grande sabedoria e simplicidade (Marcos 6:2) mesmo sem nunca ter estudado formalmente (João 7:14-16). Era ainda conhecido por grande bondade (João 7:11-12) e por seus milagres (Mateus 4:23-25), e eram esses milagres que atraíam as multidões para ouvir o Messias. Enquanto filho do homem e filho de Deus (Filipenses 2:5-11) revelava os atributos do Pai, não apenas espiritualmente, mas também nas coisas práticas do dia a dia.
O que quero dizer com isso é, muitas vezes, o nosso trabalho será o nosso destaque, é ele que será conhecido primeiro para que então a sua essência se revele, ou seja, o nosso caráter, ou o Reino de Deus em nós. A transformação do cristão começa de dentro para fora, mas a percepção desta mudança para a sociedade (o mundo) começa de fora para dentro, começa pelos nossos resultados, pela qualidade do que fazemos.
Em outras palavras, a fé sem obras é morta (Tiago 2:17), porque o mundo não vê a fé, mas vê as obras que ela produz. Quando essas obras são de grande qualidade, elas revelam Aquele que é o padrão de excelência, elas revelam ao próprio Criador que habita em nós.
DEUS VÊ O CORAÇÃO, MAS…
Mesmo entendendo essa realidade seguimos separando a vida cristã da busca pela qualidade e, em nossos ministérios, muitas vezes, abrimos mão da excelência por motivos diversos.
Em grande parte, nos baseamos em argumentos que tentam mascarar nossa falta de preparo, cuidado e excelência. Algumas das desculpas que damos são a falta de tempo e de recursos financeiros, mas acredito que o pior é quando usamos a palavra de Deus para justificar nossa mediocridade. Muitas vezes usamos a desculpa de que Deus se preocupa com a intenção de nosso coração, nos baseando em I Samuel 16, história bem conhecida sobre quando Davi foi ungido pelo profeta Samuel: “O Senhor, contudo, disse a Samuel: (…) o Senhor não o vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (I Samuel 16:7).
Com base na convicção de que Deus vê o coração, ou seja, a intenção e motivação, desconsideramos totalmente o princípio da mordomia, resultando em ações sem o mínimo de excelência.
Tentamos justificar os trabalhos realizados no ministério, que não foram submetidos a um bom preparo técnico, coreográfico, bíblico, artístico e espiritual como se fosse algo paradoxal, como se, havendo motivação correta, não seria necessário haver qualidade. Como se ao olhar o coração, ou seja, a intenção, o Senhor anulasse a excelência do que foi produzido. Mas essa não é a realidade da natureza de Deus.
O CAMINHO A SER TRILHADO
No contexto eclesiástico e ministerial, as artes – para nós, a dança – foram feitas com intuito de adorar a Deus e edificar o corpo, ministrando outras vidas. Por isso, precisamos saber o que estamos fazendo, porque estamos fazendo e como devemos fazê-lo. Ou seja, além de uma direção clara de Deus, um propósito específico, deve haver um caminho por onde se constrói uma arte com qualidade em todos os sentidos para que alcance efetivamente quem a receberá, de acordo com o propósito de Deus e para Sua glória e honra. O mesmo capítulo de I Samuel 16 nos comprova isso.
Neste texto, o rei Saul estava sendo atormentado por um espírito maligno e seus servos o indicaram chamar alguém que tocasse para que ele sentisse alívio daquela opressão:
E Saul respondeu aos que o serviam: “Encontrem alguém que toque bem e o tragam até aqui”. Um dos funcionários respondeu: “Conheço um dos filhos de Jessé, de Belém, que sabe tocar harpa. É um guerreiro valente, sabe falar bem, tem boa aparência e o Senhor está com ele. (I Samuel 16:17,18).
Quando efetuamos a arte na igreja, precisamos seguir o princípio revelado neste texto: fazer e fazer bem. As características que descrevem Davi falam sobre sua aparência, espiritualidade, sobre seu conhecimento e habilidade em falar bem e tocar bem um instrumento. Inclusive esta é a única exigência feita por Saul: “Encontrem alguém que toque bem” (I Samuel 16:17). Isso nos aponta para a questão que as pessoas esperam receber algo de qualidade. Davi tanto oferecia a Deus tudo com maior excelência como também aos homens. A excelência estava na essência de Davi. Sua vida foi, sem dúvida, reflexo da imagem do Deus excelente.
Creio que a excelência de Davi era algo real, um conjunto de atribuições de alguém determinado a dar 100%, a se doar totalmente. A Bíblia nos mostra que Davi buscava fazer e ser o melhor em cada função que desempenhava. A qualidade foi, sem dúvida, uma marca de seu ministério. Ele dava o seu melhor como pastor das ovelhas de seu pai, protegendo-as com a própria vida. Ele deu o seu melhor ao lutar com Golias, ao se tornar guerreiro, logo, se destacou, assumindo a chefia dos exércitos do rei Saul. Davi foi o melhor rei de Israel, não houve governo como o dele. Ele deu o seu melhor em tudo, inclusive, no projeto para o templo ao Senhor. Ele desejava sempre dar o seu melhor a Deus!
Sendo assim, para impactar a vida do meu irmão eu preciso ser uma pessoa com padrão de qualidade e excelência altos, e esse padrão encontra-se em Deus. No nosso contexto cristão artístico, para que a nossa arte tenha relevância social e evangelística, ela precisa ter qualidade e excelência, pois, só assim, ela glorificará e honrará o nome de Deus em sua totalidade.
QUALIDADE, EXCELÊNCIA E ARTE
Deus é um ser de totalidade e altos padrões de qualidade e excelência. Tudo o que Ele fez e faz se destaca. Não falo isso em um sentido de vaidade ou valor, mas Deus se faz ser notado na sua grandiosidade e na sua criação. Não apenas em um sentido quantitativo mas, principalmente, no qualitativo, a nível de detalhes e precisão. Ele é excelente desde o nível macroscópico, ao criar todo o universo, mas também é excelente no micro, ao criar formas de vida invisíveis ao olho nu com uma riqueza de detalhes que transcendem a compreensão humana. Assim, Ele se faz conhecido porque quer que O conheçamos.
Então, a medida em que estabelecemos este relacionamento com Deus, nos assemelhamos a Ele. Ossona (1988) nos diz que, desde os primórdios da civilização humana que os homens creem que “semelhante atrai semelhante”. Na lei mosaica, Deus manda o povo ser santo porque Ele é santo (Levítico 11:45). Logo, para sermos semelhantes a Deus precisamos ser seres excelentes, de qualidade e de totalidade em tudo que somos e fazemos, senão, expressamos um recorte de Deus que pode ser colado de várias formas, inclusive, de forma errada.
Por conta da falta deste entendimento, estabelecemos uma cultura cristã pobre e medíocre no que diz respeito a não ser o melhor que poderia ser dentro das nossas possibilidades de tempo, recursos, investimentos e tantos outros aspectos. Nós, que estamos mais próximos da grande referência para todas as coisas, não damos o destaque e a importância que Lhe são devidos. Ao contrário, invertemos valores sociais: a cultura e arte de qualidade que nos impactam são as de fora, e não as de dentro; a cultura cristã se torna a desconstrução da cultura não cristã, gerando no meio eclesiástico desdobramentos, talvez, inexistentes ou mau fundamentados na tentativa desesperada de fazermos algo que seja “diferente do mundo”, como a “dança ministerial”.
E assim, concluímos, infelizmente, que a cultura do Reino é secundária por sermos preguiçosos e presunçosos ao acharmos que o que fazemos está bom e é satisfatório para o contexto em que vivemos, o contexto da igreja. Mas não fomos nós chamados a sermos sal e luz do mundo (Mateus 4:14)? Não fomos nós, aqueles que já conhecem a Deus no íntimo, chamados a manifestar a glória de Deus porque a criação aguarda esta manifestação com expectativa (Romanos 8:19)?
Se o que nós temos a oferecer é preguiçoso, presunçoso, medíocre, pobre e pequeno, então, estamos falando de alguém que não seja Deus, pois, estes atributos não competem a Ele. Por acaso, tudo o que Deus fez tem essas características que listei acima? Acredito que a sua resposta seja não, assim como a minha. Então, por que o fazemos? O que nos impede de sermos o melhor que podemos ser para Deus? O que faz a nossa arte não ter qualidade? A resposta a estas perguntas está nos artistas.
Infelizmente, não temos sido competentes o suficiente para manifestar Deus enquanto indivíduos e enquanto igreja, ou como equipe. Não temos sido capazes ou qualificados a encher as vasilhas de azeite porque não investimos tempo buscando as botijas ou pensando, desenvolvendo formas de multiplicar o azeite que já temos (II Reis 4:1-7). Precisamos de alguém nos indicando o que fazer ou como fazer como se não tivéssemos referência, padrão ou direcionamento. Queremos o que está construído ao invés de participarmos da construção.
Vivemos das migalhas que arte do mundo nos dá ao invés de desenvolver a arte e a cultura diretamente da fonte criativa de todas as coisas. Mendigamos o de fora como se não tivéssemos o de dentro, o primordial; como se não tivéssemos Deus porque Ele não nos dá algo pronto, mas nos dá plena capacidade para conhecer e desenvolver, a multiplicar o azeite para que, a medida que esse processo comece, Ele se relacione conosco e voltemos lá ao Éden: ao relacionamento, à intimidade, à dependência e obediência, ao puro e simples, mas profundo e essencial, imago Dei.
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REFERÊNCIAS
EXCELÊNCIA. Dicionário Online Michaelis, 22 jul. 2020. Disponível em <https://michaelis.uol.com.br/> Acesso em 22 jul. 2020.
OSSONA, Paulina. A educação pela dança. 4ª ed. São Paulo: SUMMUS, 1988.
QUALIDADE. Dicionário Online Michaelis, 22 jul. 2020. Disponível em <https://michaelis.uol.com.br/> Acesso em 22 jul. 2020.