Prof.ª Ms. Camila Amaral

INTRODUÇÃO

Quando falamos em artes na igreja, esbarramos em uma série de questões que ainda precisam ser amplamente discutidas. Infelizmente, seguimos encontrando preconceitos, resistências e dúvidas acerca da legitimidade e aplicabilidade da arte no contexto da igreja, seja no ambiente de culto coletivo ou em outros ambientes e momentos.

No Antigo Testamento, percebemos a dança como uma atividade bastante presente no contexto do culto do povo Hebreu. Entretanto, influências posteriores de ordem social, cultural e filosófica promoveram um afastamento dessa prática do ambiente cristão de culto, o que influenciou a forma de valorização e utilização da arte como expressão de adoração. Segundo Torres (2012): 

O cristianismo assumiu as ideias dualistas de corpo/alma, corpo/espírito, provenientes do mundo greco-romano, abandonando o pensamento hebraico que marcou o Novo Testamento, para o qual não havia separação entre corpo e alma (Idem, p.37).

Entretanto, atualmente vemos uma movimentação no âmbito da cultura cristã evangélica, que questiona este pensamento desvalor do corpo e suas práticas, de forma que podemos observar um resgate das artes como parte do culto público. 

Compreendendo seu poder de comunicação, acreditamos que a presença da arte no culto promove um transbordar “para fora” de uma conexão interna do artista com Deus, uma manifestação da vida do Criador que está no artista. Esse transbordar toca na vida das pessoas de maneira viva através da conexão estabelecida entre quem realiza (artista) e quem observa (expectador/participante), que integra o mecanismo de comunicação, próprio de qualquer linguagem.

O que isso tem a ver com a dança ministerial? Tudo! Pois, para justificar que a dança (assim como outras artes) estivesse presente no contexto da igreja, esta precisava ser diferente daquelas que existem fora deste contexto. Era necessário haver algo que a caracterizasse como espiritual, cristã, como uma dança diferente.

Ao longo do tempo, então, podemos perceber algumas tentativas de dar à dança um “ar” mais espiritual, refletidas por exemplo: 

  • no tipo de figurino (saias longas, muitas camadas de tecido, uso de luvas, etc);
  • nos momentos “autorizados” ou não para a sua realização (em cultos festivos, em evangelismos, mas não como parte do culto em si);
  • no gestos permitidos (uso de movimento dos braços, mas não do tronco e pernas);
  • em sua nomenclatura (coreografia, dança ministerial, gestos de louvor, etc);

Não precisamos nos esforçar muito para lembrar que, até pouco tempo atrás, não podíamos classificar esta atividade como Dança, pois este nome parecia representar algo não muito espiritual. Em vez disso, chamávamos de grupo de coreografia, na tentativa de amenizar o sentido “mundano” de alguma forma, dando a ideia de diferenciação, ainda que nenhuma diferença efetiva estivesse ali.

O TERMO “DANÇA MINISTERIAL”

Entendemos ser necessária uma nomenclatura que defina a dança dentro desse contexto, mas cremos que esta nomenclatura não deve ser aplicada em relação à sua estrutura, técnica ou modo de fazer, e sim que a diferencie em seu propósito. Pois quais seriam as técnicas que podemos utilizar para dançar na igreja? Todas aquelas que proporcionam ao corpo que dança as habilidades e a consciência necessária para extrair dele sua potencialidade criadora. 

Em outras palavras, posso utilizar todas as técnicas corporais e habilidades que favoreçam a comunicação através do corpo em movimento na dança, desde que o resultado reflita o caráter de santidade de Deus.

Não há técnica de dança ministerial, ou técnicas especiais criadas para o bailarino cristão. Este corpo deverá ser preparado e trabalhado segundo os mesmos princípios motores que regem qualquer outro corpo. A diferença, portanto está no propósito, na pessoa que dança que, como cristão, é um ser global, cuja vida está sob total senhorio de Cristo.

Outro grande equívoco no uso desse termo se dá devido à falta de conhecimento específico da pessoa que realiza tal atividade. O cristão artista que não busca conhecimento técnico na sua área, está negligenciando a responsabilidade da excelência depositada em suas mãos pelo próprio Senhor.

Não sabendo como definir ou classificar tecnicamente o tipo ou modalidade da dança que executa, passou-se a utilizar este termo “dança ministerial”, que parece definir uma forma de dança específica e estruturalmente diferente das demais.

É importante ressaltar que desde a Idade Média, os cristãos estabeleceram uma desvalorização das artes e sua beleza simples como algo que possui valor em si mesma. Este desinteresse possui razões bem complexas, as quais não trataremos aqui. Porém, acreditamos ser relevante entender que a igreja de hoje ainda carrega os resquícios desse pensamento, de que a arte realizada no contexto ou no ambiente cristão necessita de uma boa justificativa, de algo que prove sua utilidade e espiritualidade.

Dessa forma, surge um senso comum de que as artes na igreja precisam apresentar um quê de espiritualidade destacável, ainda que essa característica apareça apenas no nome. Surge, então, termos como “dança ministerial”, “dança cristã”, “dança gospel” e etc (sem falar de outras atividades), na intenção de torná-la justificável e legítima no contexto da igreja.

Refletindo sobre o assunto, penso que seria mais verdadeiro dizer que o trágico desinteresse atual – na verdade, o sentimento anticultural e antiartístico da igreja – vem da falta de compreensão das verdades bíblicas e do cristianismo aplicado às artes. […] A espiritualidade se tornou algo religioso e passou a ter muito menos a ver com a verdade, com a vida diária e com a aplicação efetiva dos princípios cristãos. (SCHAEFFER, 2008, pg.33 e 35)

A vida do cristão passou a ser compartimentalizada entre o que é “espiritual” e o que não é. Por exemplo, começamos a classificar como “espiritual” o ir à igreja, o orar, e como secular, o estudo e o trabalho. 

Dessa forma, as artes e a beleza pura e simples, que são parte da criação de Deus, foram deixadas de lado como algo secular ou redimensionadas e renomeadas para que pudessem fazer sentido como “espiritual”. Como nos mostra Schaeffer (2008): 

As artes passaram a ser consideradas como não-espirituais, inapropriadas e de importância secundária em relação a alvos mais “elevados” e “espirituais” que deviam ser alcançados pelo rebanho. (IDEM, pg. 36)

Percebemos então que, muitas vezes, os termos “dança ministerial”, “dança cristã”, “dança gospel”, tem sido usados numa tentativa de trazer para a atividade em si uma roupagem de espiritualidade quando, na verdade, deveríamos enxergá-la como espiritual pelo simples fato de ter sido criada por Deus. Bem como, por ser realizada por aquele cuja vida se encontra aos pés do Criador, em total conformidade com os princípios da palavra de Deus e que transcende, tocando o mundo espiritual.

O uso do termo nesse sentido se torna perigoso, pois, podemos estar sugerindo que, para ser justificável a presença da dança dentro da igreja, ela precisa ser realizada de forma diferente, ter uma técnica diferente e até mesmo ser ensinada de forma diferente.

Todos os gestos ou técnicas corporais envolvidas na realização dos movimentos de dança estão inseridas no contexto histórico já estabelecido. São da ordem da cultura. Ou seja, para dançar na igreja ou no exercício do nosso chamado como ministros de Deus, utilizaremos os sistemas técnicos codificados (por exemplo, ballet, jazz, moderno, etc) ou qualquer outra técnica livre que instrumentalize o corpo, como improvisação, dança-teatro, técnicas circenses, etc, assim como um bailarino não cristão.

DANÇA MINISTERIAL COMO CULTURA DO REINO

Existe ainda uma outra visão que podemos destacar sobre o uso do termo “dança ministerial’. Esta se baseia na ideia de que a arte desenvolvida pelo cristão, ao servir à igreja com seus talentos (naturais) e dons (espirituais), é uma forma de manifestar e expandir a cultura do Reino de Deus. Então, esta forma de arte comunica a cosmovisão (visão de mundo) cristã e se desenvolve a partir de um propósito espiritual. 

Se compreendo que a dança realizada por um cristão artista é realizada como uma linguagem comprometida com a palavra de Deus e que manifesta um sistema de valores cujo padrão está em Deus, entendo que ela se diferencia sim, porém pela essência, não pela forma.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dessas diferentes perspectivas em torno da nomenclatura aqui discutida, precisamos ter cuidado ao nos referirmos à dança como “ministerial”. Não podemos colaborar com a ideia errônea de que precisamos de uma técnica diferenciada para dançar na igreja ou que esta dança seria mais “espiritual” apenas por possuir um nome diferente. 

Precisamos nos avaliar frequentemente, buscando em Deus a realidade do nosso coração. É necessário identificar se, quando dançamos, manifestamos a essência de Deus ou a nós mesmos, se contribuímos para o Reino ou se estamos mais preocupados com a forma do que com a essência.

Portanto, para pôr fim às confusões relacionadas ao uso de um termo que defina a dança realizada por alguém que está em alinhamento com a palavra de Deus e que manifesta tais princípios, talvez a melhor forma de nos referirmos a ela seja como Dança no Contexto Cristão.  

Precisamos ainda buscar o conhecimento (bíblico e técnico), para então compreender o valor desta dança (e das demais artes) pelo simples fato de representar toda beleza e essência criativa do próprio Deus, que a confiou a nós, seus filhos, imagem e semelhança dEle.

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REFERÊNCIAS

SCHAEFFER, Frank. Viciados em mediocridade. São Paulo: W4 Editora, 2008.

TORRES, Luciana Pinheiro. A dança no culto: A busca do momento e da razão pela qual os cristãos deixaram de dançar em seus cultos, bem como o caminho de sua redescoberta. Goiânia: Kelps, 2012.