Prof. Ms. José Guilherme Almeida

INTRODUÇÃO

Após discutirmos o que é ministério e o que é dança aqui no Blog, vamos aplicar esses pensamentos à vida do cristão, especificamente, pensando qual a função que o ministério de dança, assim como os demais ministérios de arte, assumem dentro da igreja e na vida do cristão.

A ARTE NÃO PRECISA DE JUSTIFICATIVA

Primeiro precisamos estabelecer que a arte faz parte da criação de Deus. Como um Deus criador, Ele nos fez Sua imagem e semelhança (Gênesis 1:26-27), portanto, também somos seres criadores. Todos somos artistas em algum nível, pois podemos nos expressar através do que produzimos e comunicar o que somos e pensamos (ALMEIDA, 2017). 

Como nos diz Schaeffer (2010, p.45): 

A criatividade faz parte da distinção entre ser humano e ser não-humano. Todas as pessoas são, em algum nível, criativas. A criatividade é intrínseca à nossa hominalidade.

Quando falamos na arte de modo geral, esta deve fazer parte da vida dos cristãos porque faz parte da criação de Deus e do caráter dEle em nós. Assim como plantar, colher, cuidar dos animais, trabalhar e se alegrar; produzir arte faz parte do que somos em Deus. Não precisamos de uma justificativa para que a arte faça parte das nossas vidas, assim como não precisamos de uma justificativa para as demais atividades humanas. 

O teólogo Rookmaaker defende que:

A arte não precisa de justificativa. Ela é significativa em si mesma, não só como ferramenta evangelística ou para servir a um propósito prático ou para ser didática […]. A arte não pode tornar-se uma mera função de alguma dessas sem perder seu lugar indispensável na vida humana. Afinal de contas, Cristo morreu por nós para restaurar nossa humanidade e devolver o significado à criação de Deus. Nem só o evangelismo é cristão, mas a vida inteira é cristã, a menos que tornemos Cristo muito pequeno (ROOKMAAKER, 2018, p.99).

Não estamos dizendo que a arte não possa cumprir essas e outras funções. Sim, a arte pode gerar muitas coisas e ser usada como meio para evangelizar, para ensinar, para divertir, para inspirar, entre muitas outras funções. O que estamos estabelecendo primeiro aqui é que, o motivo da arte estar em nossas igrejas não é pela sua função, mas sim pelo seu lugar na criação de Deus. A arte tem valor nela mesma. 

Para Rookmaaker (2018) a principal tarefa da arte na criação é proporcionar beleza, alegria. Ela está diretamente ligada à vida, à profundidade do nosso ser. Portanto, se um cristão recebe talentos, como Bezalel (Êxodo 35:30-35) ou Davi (1 Samuel 16:18), pode usá-los criativamente como parte da sua existência, inclusive, como seu trabalho e vida sem necessariamente estarem submetidos a qualquer regra diferente das aplicadas aos cristãos que são médicos, professores, confeiteiros ou escritores. 

Muito provavelmente Bezalel já atuava como artesão antes de ser convocado para construir o Tabernáculo e seus utensílios, assim como Davi já exercia sua arte como tangedor (músico) fora do contexto de culto, antes de tocar para o rei Saul. Observe que as Escrituras não declaram nada de errado com isso. 

O erro que o artista pode cometer é o mesmo de todo ser humano: não servir a Deus com a sua vida, com tudo o que faz:

E tudo o que fizerem, seja em palavra, seja em ação, façam em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai (Colossenses 3:17 – NAA).

Quando fazemos arte pela arte, assim como, quando apenas trabalhamos para satisfazer as nossas necessidades ou desejos, perdemos o sentido da vida e cometemos pecado. Foi por isso que Cristo morreu na cruz, para nos livrar dessa vida sem sentido, afundada no pecado. Quando Ele nos restaurou, restaurou todas as dimensões da nossa existência em Deus, incluindo a nossa capacidade artística (SCHAEFFER, 2010; ROOKMAAKER, 2010).

A ARTE NO CONTEXTO DO MINISTÉRIO

Contudo, quando inserimos a nossa arte no contexto do ministério como uma forma de servir a igreja e ao próximo, a arte assume uma, ou algumas funções. Observe que exercer essa função não será a justificativa para a inserção dela no culto, mas sim que ela poderá ser usada para diversos fins, como algo que é intrínseco, que emana da própria arte.

Se esta arte está inserida no contexto do culto, daquela reunião de pessoas que professam a mesma fé, a sua função está atrelada ao objetivo maior daquele culto. 

Carson (2017) indica que as reuniões da igreja, mais do que adorar a Deus, tem como responsabilidade a edificação do povo de Deus. É a partir das atividades coletivas da igreja, enquanto Corpo de Cristo, que conhecemos melhor o Senhor a partir do estudo da Sua Palavra, que somos confrontados sobre nossa forma de pensar e agir, que nos encorajamos mutuamente a seguir na vida cristã e servimos uns aos outros em amor.

É no coletivo que aprendemos e ensinamos, é no coletivo que amamos e somos amados, é no coletivo que resplandecemos a luz de Deus que há em nós.  Ser sal da terra e luz do mundo indica relacionamento, indica servir ao próximo para revelar Jesus a ele (Mateus 5:13-16).

Portanto, a função da arte no culto, do ministério de dança (e dos demais ministérios de arte) deve ser promover a edificação do corpo de Cristo, deve ser abençoar ao próximo tendo a sua vida, a sua arte e tudo o que produz como meio. 

A Pra. Adriana Pinheiro defende que, quando executamos nossa arte em público, não estamos fazendo esta arte para Deus como se Ele fosse o único espectador. Se fosse esse o caso, eu poderia dançar no meu quarto e já seria suficiente. Quando expomos a nossa arte, a nossa dança, estamos dançando por Deus, pois nos colocamos na posição de canal do Espírito Santo para abençoar o próximo, ou seja, o nosso espectador. 

OS QUATRO PILARES DA ARTE

Em seu livro, Adoração Criativa, a Pra. Adriana Pinheiro identifica quatro pilares sobre os quais a arte pode ser aplicada no contexto cristão: adoração, ensino, evangelismo e restauração (DIOGO, 2011):

O pilar da Adoração está relacionado tanto ao nosso estilo de vida, que é a mais pura adoração a Deus, quanto aos momentos específicos que reservamos para louvar ao Senhor. Em ambos a arte pode adorar a Deus, seja ela feita para o grande público, como parte do meu trabalho ou da minha linguagem pessoal, ou no contexto de culto, dentro da igreja, como parte dos momentos de louvor.

O pilar do Ensino se sustenta na ideia da arte como linguagem que sempre comunica e, com isso, carrega ideias, conhecimentos, visões de mundo. Para o cristão artista, essa arte deve carregar as verdades do Reino de Deus, podendo ser um meio para ensiná-las aos que já estão no contexto cristão.

O pilar do Evangelismo indica a possibilidade de usar essa linguagem para comunicar a salvação em Jesus de modo criativo. Aqui a arte assume a função de propagadora do Evangelho.

Contudo, esses três primeiros pilares só serão possíveis se o pilar da Restauração estiver muito bem alicerçado. Este pilar aponta para a necessidade do artista ser um verdadeiro cristão. Quando isso ocorre, todos os fundamentos da Lei de Deus passam a fazer parte dos pensamentos e atitudes do artista (conforme Jeremias 31:33), e assim, a sua arte é restaurada e assume a sua verdadeira essência: tocar e manifestar a Deus. Agora, podemos chamar este artista de  cristão artista.

Rookmaaker (2018, p.97) nos questiona: “dizem que a arte é uma expressão do ser mais íntimo de uma pessoa. Mas e se não houver nada dentro?”. Quem é vazio de Deus, manifesta este vazio em sua arte. Quem é boa árvore, dá bom fruto (Mateus 7:18). Logo, um cristão verdadeiro produzirá uma arte que dá bom fruto, que gera vida, que tem sentido no culto e no Reino de Deus.

EM RESUMO

A dança e as demais linguagens artísticas devem fazer parte da vida do cristão e da igreja, pois são parte da essência do ser humano como imagem e semelhança de Deus.

Enquanto ministério que serve a igreja e ao Reino de Deus, estas podem ser utilizadas como forma de adoração à Deus, como meio para para ensinar o Evangelho aos cristãos ou para anunciá-lo aos não cristãos. 

Porém, o essencial é a restauração, pois, somente uma pessoa que foi efetivamente transformada pelo Evangelho pode adorar a Deus com sua arte, pode compreender e ensinar as Escrituras sem produzir heresias e, principalmente, pode manifestar o Reino de Deus em sua arte e ser canal para a tocar o coração daqueles que ainda não aceitaram a Jesus como o seu salvador. 

ASSISTA AOS VÍDEOS RELACIONADOS

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, José Guilherme de A. De artista e de louco, todo mundo tem um pouco. In: DIOGO, Adriana P. (Org.). A arte no contexto cristão. Goiânia: Centro Cultural Beneficente Rhema, 2017.

CARSON, D. A. Adoração por meio da Palavra. In: CARSON, D. A. (Ed.). Louvor: análise teológica e prática. 1. ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

DIOGO, Adriana P. Adoração Criativa – Manual para formação de grupos de dança e teatro. Goiânia: Vinha, 2011.

ROOKMAAKER, H. R. A arte não precisa de justificativa. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.

_______________. O Dom Criativo. Brasília, DF: Monergismo, 2018.

SCHAEFFER, Francis A. A Arte e a Bíblia. Viçosa, MG: Ultimato, 2010.