Prof.ª Ms. Camila Amaral

INTRODUÇÃO

Para entendermos melhor sobre a forma como nos referimos à dança que realizamos na igreja, é preciso primeiro estudarmos alguns conceitos importantes. O que é dança? Existe uma técnica específica para essa dança que faço na igreja? Como devo me referir a ela para diferenciá-la da dança que é feita no meio secular?

A resposta para essas perguntas tem seu ponto de partida nos estudos sobre esta arte que existe desde que existe a vida e, portanto, o movimento.

PENSANDO A DANÇA

A dança é a arte do corpo em movimento, movimento este que possui características específicas, que o diferem dos gestos cotidianos e utilitários. Diferente de quando eu me movimento para coçar o nariz, pegar meu celular ou saltar uma poça d’água; um corpo dança quando seus gestos tocam o sensível, acessam os fatores de qualidade expressiva, gerando um discurso poético. Ou seja, o corpo dança quando se comunica e se expressa de forma poética através do movimento. 

Estes gestos estabelecem conexões entre os sistemas corporais (as partes que compões o meu corpo) e as necessidades expressivas daquela pessoa que os executa. Como todo movimento, nascem de um impulso interno, uma força movente, propulsora (LABAN, 1971), porém se desdobram em representações simbólicas e expressivas da realidade, esculpindo o espaço, criando beleza e significado.

Este discurso poético do corpo, ou seja, a dança, é essa união da necessidade e intenção de expressar (impulso interno) e da execução dessa expressão nos movimentos do meu corpo.

Os gestos que compõem essa dança adquirem características extraordinárias (DANTAS, 1999) a partir da interação entre as relações mecânico-motoras (materialidade, sistemas, partes) do corpo e os aspectos internos (como as emoções, por exemplo), resultando em diferentes formas de nos movermos, de dançarmos. Essas diferentes formas apresentam fatores de movimento – peso, tempo, espaço e fluxo (que se refere à energia circulante no corpo). Esses fatores dão cor e expressividade ao movimento.

O movimento em dança não existe para cumprir outro fim que não seja o de ser matéria-prima – que permite formular impressões, representar experiências, projetar valores e sentidos, revelar culturas, sentimentos, sensações e pensamentos, trazendo à luz a materialidade da dança. Quem dança transforma seu próprio corpo, molda-se, remodela-se, reconfigura-se e, quando a dança se manifesta no corpo, esta transforma esse corpo, dilatando-o em uma explosão de sentidos. (DINIZ, 2018, pg. 44)

A dança é, portanto, uma linguagem, pois comunica através do corpo em movimento, criando significados através de um discurso próprio.

Na Bíblia encontramos exemplos da dança sendo utilizada para expressar/comunicar alegria, como é o caso de Miriam, que se alegrou pelo livramento na abertura do Mar Vermelho (Êxodo 15:20-21), ou Davi que celebrava o retorno da Arca da Aliança a Jerusalém (2 Samuel 6:14-15). Nestes casos, e também em muitos outros, o gesto expressa um sentimento interno, um impulso de adorar a Deus.

CONSTRUINDO A LINGUAGEM DA DANÇA

Para a construção dessa linguagem, o corpo se utiliza de técnicas corporais, que, segundo o antropólogo Marcel Mauss (1974), são as maneiras como os homens, de maneira tradicional, sabem se servir de seu corpo. Ou seja, são aptidões ou habilidades adquiridas, que são aprendidas e ensinadas, construídas culturalmente, com o objetivo de satisfazer alguma necessidade cotidiana (como ficar de pé, andar, comer, etc), ou extra cotidiana (como nas atividades estéticas ou artísticas).

Para esse autor, a técnica (ou forma) como sentamos, comemos, caminhamos e executamos as atividades mais cotidianas ou mais específicas, são aprendidas. Isso ocorre de várias formas, grosso modo: 

  1. Pela necessidade, como quando o bebê aprende a erguer o pescoço, ou a se sentar sem apoio;
  2. Pelo exemplo/ imitação, como quando eu me sento com as pernas cruzadas e há grande chance de meu filho fazer o mesmo; 
  3. Por meio de ações pedagógicas específicas, como quando eu aprendo uma técnica manual para desenvolver o ofício de marceneiro, ou pedreiro, artesão, etc.

Em todas essas formas, porém, encontramos a tradição, a cultura, como fio condutor.

As técnicas corporais utilizadas para dançar são as mais variadas possíveis e, da mesma forma, compartilhadas social e culturalmente. Assim como aprendemos a nos mover, aprendemos a nos expressar através dos nossos movimentos e a produzir os gestos poéticos da dança.

Muitos estudos se debruçam sobre esse campo trazendo contribuições importantes para o desenvolvimento da consciência corporal e do domínio do movimento e de suas potencialidades, demonstrando ser a dança, uma área do conhecimento humano.

Algumas danças se encontram estruturadas em sistemas técnicos estabelecidos ao longo da história. Como, por exemplo: o ballet clássico, o jazz dance, a dança moderna, as danças urbanas, sapateado, danças de salão, dança contemporânea (que não se configura em um sistema fechado, mas que possui uma série de técnicas corporais próprias de sua linguagem), entre muitas outras. Essas técnicas, com suas modalidades ou estilos, são assim definidas por possuírem uma metodologia própria e uma gestualidade, de certa forma, codificada. 

Portanto, toda técnica de dança é aprendida. Tanto as técnicas fechadas e codificadas, como aquelas que dão maior liberdade ao corpo em movimento a partir do livre agenciamento dos fatores de qualidade e dos referenciais básicos para a execução dos movimentos, são fruto de um processo de ensino-aprendizagem. Cada técnica dá ao corpo um suporte para análise e organização do movimento, para que seja capaz de se expressar e gerar possibilidades corporais diversificadas.

Isto quer dizer que todo corpo que dança se utiliza, à mesma maneira, de técnicas corporais específicas para cada necessidade expressiva. E todas elas tem seu ponto de partida no próprio corpo.

Quando nos referimos à dança realizada no contexto cristão, ou seja, aquela que convencionou-se pelo senso comum chamar de “dança ministerial”, não estamos falando de nada diferente do que acabamos de tratar agora. Dança é dança. É movimento do corpo. E ponto. 

Não importa se estou dançando dentro ou fora da igreja; se estou dançando uma música com letra cristã ou uma música instrumental; se estou no momento de louvor da minha igreja, em um evangelismo de rua ou dançando ao som de uma música qualquer no meu quarto ou em um momento individual, sem que ninguém veja. Dança continua sendo dança. O mesmo corpo que se expressa no contexto secular, se expressa no contexto religioso. As técnicas utilizadas pelas grandes companhias seculares de dança também são utilizadas pelas companhias cristãs. 

Mas por que se difundiu um entendimento de que esta dança realizada na igreja possuiria uma diferença estrutural, algo que a tornasse tecnicamente singular em relação às danças realizadas fora deste contexto? Sobre este assunto, discorreremos mais adiante, no próximo texto.

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REFERÊNCIAS

LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento, São Paulo: Summus, 1971.

DANTAS, Mônica Fagundes. Dança: o enigma do movimento. Porto Alegre: UFRGS, 1999

DINIZ, Isabel Cristina Vieira Coimbra. Nos passos da semiótica: um diálogo entre a dança e a escola de Paris. Curitiba: Appris, 2018.